A atitude mais correcta em relação aos sistemas de saúde é cortar os maus ramos e estimular os bons
Compreende-se que seja corrigida a forma como estavam a ser implementadas e comunicadas algumas mudanças iniciadas na saúde, mas, para bem de todos nós, era vital que o rumo da mudança iniciado não fosse alterado.
A área da saúde tem assistido a mudanças vertiginosas nos últimos anos e vai continuar a assistir: entre 1980 e 2020 o número de idosos em Portugal aumentará em um milhão, as doenças crónicas crescem neste grupo 2,5% ao ano, os problemas sociais avolumam-se nas enfermarias, as pessoas deixaram de morrer em casa para morrer nos hospitais, os doentes estão mais informados e exigentes, assumindo-se como parceiros dos cuidados, mas trazendo consigo expectativas, muitas vezes exageradas, em relação àquilo que a Medicina lhes pode dar, habituados que estão aos casos de sucesso que vêem na televisão.
E também do lado da prestação de cuidados se observam mudanças: uma tendência para a hiperespecialização que faz com que os médicos saibam cada vez mais sobre cada vez menos. Esta tendência é inexorável e, no caso de alguns procedimentos e patologias, mesmo desejável, pois em muitos casos é preciso garantir uma casuística mínima para manter a qualidade. O exemplo mais mediático é o número mínimo de 1500 partos para as maternidades, mas o mesmo se pode afirmar para os cateterismos a cardíacos ou para os doentes politraumatizados. Esta evolução tem como consequência que o exercício da Medicina moderna seja predominantemente de equipa, mas também que haja necessidade de sintetizadores, médicos que abordem os doentes como um todo e coordenem os seus cuidados. Esses médicos são os pediatras, no caso das crianças, os internistas para os adultos e os especialistas de Medicina Geral e Familiar.
Outras modificações que estão a ocorrer do lado da oferta de cuidados são o surgimento constante de novas tecnologias e medicamentos, uma manifesta variabilidade da prática clínica, a escassez de médicos para os próximos anos, o aumento das despesas em saúde e o crescimento do sector privado, entre outros.
Todas estas transformações obrigam os sistemas de saúde a mudar para se adaptarem. Os denominadores comuns destas mudanças nos sistemas de saúde dos vários países têm sido o investimento nos cuidados primários, a necessidade de hospitais de agudos com uma dimensão adequada, a concentração de recursos, o combate ao desperdício, sistemas de informação robustos, implementação de protocolos, diversificação e tipificação dos níveis de cuidados, resposta integrada e pró-activa aos doentes crónicos e tendência para que o Estado seja cada vez mais regulador e menos prestador de cuidados.
No entanto, não há uma receita milagrosa para estas mudanças. Os sistemas de saúde são, na teoria dos sistemas, complexos e adaptativos, com uma grande zona de imprevisibilidade. A atitude mais correcta em relação a estes sistemas não é a de apostar tudo em soluções universais, mas diversificar e avaliar, fazer como os agricultores que plantam, observam, cortam os maus ramos e estimulam os bons. Infelizmente, esta cultura de avaliação com rigor não tem sido a nossa prática. Não o foi no caso das centenas de serviços de atendimento permanente, nem com a Unidade Local de Matosinhos, nem com o Hospital de Vila da Feira, nem com o da Amadora, nem com os hospitais SA, nem com os 13 centros hospitalares criados nos últimos três anos. Esta avaliação na saúde não é um desperdício: é uma obrigação para que, cada vez mais, as mudanças sejam baseadas em evidência.Médico internista
In Público