O QUE É A DOENÇA DE BEHÇET?
A Doença de Behçet é uma perturbação do sistema imunitário (sistema de defesa do organismo) que se caracteriza por um conjunto de sinais e de sintomas localizados sobretudo na pele, nas mucosas (de que se destacam as aftas) e nos olhos, mas a que se podem associar muitas outras manifestações, como abaixo se descreve.
Deve o seu nome ao dermatologista turco Hulusi Behçet (leia-se Bedjet) que a descreveu em 1937, ainda que se trate de uma doença já conhecida desde a antiguidade hipocrática (século V a.C.).
Ao contrário do que se costuma julgar, não traduz uma falta de defesas do organismo mas antes um excesso da sua actividade. O sistema imunitário, que normalmente protege o corpo contra infecções, produzindo inflamações controladas, torna-se hiperactivo e passa a produzir inflamações imprevisíveis, exageradas e não controladas.
No caso da Doença de Behçet estas inflamações podem afectar qualquer estrutura, ainda que sejam aquelas as mais atingidas. Este compromisso tem um ponto de partida vascular (artérias, veias e capilares), o que a inclui num grupo de doenças designado genericamente por “Vasculites”.
Nas pessoas portadoras desta doença, as células imunitárias que se encontram por todo o nosso corpo e em particular as que se localizam debaixo da pele e das mucosas, reagem excessivamente aos mais diversos estímulos.
QUAL É A CAUSA DA DOENÇA DE BEHCET?
Desconhece-se a razão pela qual o sistema imunitário reage desta forma na Doença de Behçet. Sabemos ser importante que exista um “terreno” propício para que a doença se desenvolva, bem como a presença de um ou mais “agressores” que a desencadeiem, ambos responsáveis pelo seu aparecimento e evolução.
No que diz respeito ao “terreno”, sabemos que as pessoas portadoras do HLA B51 (marcador presente nos glóbulos brancos), são mais propensas a desenvolver Doença de Behçet. Outros marcadores estão em vias de caracterização, permitindo-nos vir a perceber porque é que algumas formas de Doença de Behçet são mais agressivas, ou porque é que algumas pessoas têm formas de doença que “atacam” mais alguns órgãos do que outros.
Quanto aos “agressores”, sabemos bem do efeito que alguns alimentos (frutos secos, citrinos, chocolate, álcool e muitos outros) têm no desencadear das aftas. Algumas bactérias, pela sua simples presença, podem também vir a estimular o sistema imunitário local e a desencadear novas manifestações. Factores de carácter hormonal (é bem conhecido, nalgumas senhoras, o agravamento das lesões nos dias que antecedem o período menstrual) e até de carácter emocional (aparecimento ou agravamento das queixas, em momentos de maior ansiedade ou estados depressivos), dão bem conta das múltiplas e ainda “misteriosas” razões associadas.
Porém, na maior parte das vezes, não é possível identificar qualquer causa.
QUE PESSOAS SÃO AFECTADAS?
Desconhece-se o número certo de doentes com Doença de Behçet em Portugal, mas trata-se de uma doença rara – menos de 1 caso/20.000 habitantes.
É mais frequente numa faixa de países que se estende desde a bacia do Mediterrâneo e do Médio Oriente até à Coreia e ao Japão, sendo por isso também designada como “Doença da Rota da Seda”, por corresponder à área de percurso desta antiga (milenar) rota de comércio entre a Europa e o Extremo Oriente.
QUE MANIFESTAÇÕES APRESENTA?
Trata-se de uma doença que evolui por surtos, com fases em que as pessoas andam com sintomas (de semanas a meses), alternando com outras de ausência de queixas.
As manifestações mais frequentes são as aftas da boca e das áreas genitais. Surgem também lesões na pele como pequenas borbulhas com pontos brancos salientes (“pseudofoliculite”), caroços vermelhos e dolorosos que surgem habitualmente nas pernas (“eritema nodoso”), ou lesões parecidas com as da acne, mais ou menos exuberantes e isoladas ou múltiplas.
Mais graves são as manifestações oculares. Nem sempre estão presentes, mas quando tal acontece podem surgir quer a nível das suas áreas mais visíveis (olho vermelho), quer a nível da retina ou dos líquidos intra-oculares (humor aquoso e humor vítreo), manifestando-se sob a forma de diminuição ou turbidez da visão.
Outras estruturas podem também ser afectadas pela Doença de Behçet.
É o caso das articulações (com dores por vezes acentuadas e com diversas localizações), dos vasos sanguíneos (com destaque para as veias, dando origem a flebites de repetição), do tubo digestivo (com dores apontando para a presença de ulcerações no seu interior) e até do sistema nervoso central, onde a Doença de Behçet pode chegar a justificar queixas de dores de cabeça arrastadas e alteração da sensibilidade e/ou da motilidade.
É UMA DOENÇA INCAPACITANTE?
A maioria das pessoas com Doença de Behçet faz uma vida normal, aprendendo a conviver com os períodos de actividade da doença. É uma doença crónica, com períodos de actividade intensa, intercalados com períodos em que os sintomas são menos agressivos ou estão até ausentes.
O sistema imunitário também “envelhece”, pelo que o passar dos anos vai fazendo com que esta doença vá perdendo a sua intensidade. Mais activa entre os 20 e os 40 anos, costuma ir decrescendo de agressividade depois disso, ainda que possam surgir surtos em qualquer idade.
Só raramente, quando compromete o Sistema Nervoso Central ou determinados vasos em localizações críticas, é que pode tornar-se uma doença mortal. No entanto, se não tratada pronta e adequadamente, pode levar à cegueira ou a lesões irreversíveis.
COMO SE TRATA?
Embora não se consiga curar, a Doença de Behçet tem tratamentos eficazes.
Para isso, utilizam-se medicamentos de natureza muito variada, quer para tratar as manifestações quando elas estão presentes (anti-inflamatórios, analgésicos, anticoagulantes) quer para diminuir a actividade excessiva do sistema imunitário.
É o caso dos medicamentos imunomoduladores, como a colchicina, a pentoxifilina, a talidomida e o interferão, e dos imunossupressores, como os corticóides, a ciclosporina, a azatioprina, a ciclofosfamida e o clorambucil.
Outros produtos, designados genericamente como “produtos biológicos”, estão a ser experimentados com razoável sucesso, quando todos os outros se mostram ineficazes, como é o caso do Infliximab e do Etanercept.
Acreditamos que o futuro nos venha a trazer medicamentos ainda mais seguros e eficazes, à medida que formos compreendendo melhor a verdadeira natureza e as causas de perpetuação das lesões que estão subjacentes à Doença de Behçet.
QUE CUIDADOS DEVE TER?
Os principais cuidados têm que ver com o evitar a ingestão de produtos alimentares que facilitem o aparecimento das aftas, já que, por vezes, elas são a primeira de uma série de manifestações dispersas por outros territórios.
Na fase aguda, quando as aftas da boca se encontram activas, devem evitar-se alimentos cáusticos, ácidos ou citrinos. O pão, o leite e os ovos são produtos habitualmente bem tolerados nessas fases, mas cada doente aprende rapidamente aquilo que lhe é mais agressivo.
Uma alimentação diversificada com estes cuidados presentes e um estilo de vida saudável são boas regras de fundo.
Deve, também, estar particularmente atento a qualquer diminuição ou alteração da visão (visão turva ou nebulada), bem como a sinais de inflamação ocular (olho vermelho ou a doer).
Nestas circunstâncias, sem hesitar, deve recorrer de imediato ao hospital mais próximo, onde será visto ou orientado para um médico oftalmologista.
Este tipo de problemas, quanto mais cedo for reconhecido e começar a ser tratado, mais probabilidades tem de regredir sem sequelas.
Siga os conselhos que o seu médico lhe der, referentes a outros problemas mais localizados.
EXISTE ALGUMA ASSOCIAÇÃO DE DOENTES COM DB EM PORTUGAL?
Já existe uma Associação de doentes com Doença de Behçet designada Behçet em Portugal, que pode visitar em: http://behcetemportugal.blogspot.com Passe por lá, diga quem é e deixe ficar uma mensagem.
A QUEM DEVE RECORRER?
A Doença de Behçet exige a colaboração de uma equipe multidisciplinar.
Deve haver uma estreita ligação entre o Médico de Medicina Geral e Familiar e os especialistas neste tipo de doença, sendo frequente haver necessidade da intervenção de outras especialidades, assim como a de outros técnicos como sejam enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas,
assistentes sociais e outros.
Os especialistas com mais experiência neste tipo de doenças são os de Medicina Interna e de Reumatologia.
Os especialistas de Medicina Interna são os médicos do adulto que abordam e tratam os doentes como um todo, recorrendo aos especialistas de determinados orgãos, para a execução de técnicas ou para apoio no tratamento de doenças mais raras desses orgãos ou sistemas.
Essa capacidade torna-os particularmente vocacionados para este tipo de patologias que têm um carácter sistémico, ou seja, podem atingir vários orgãos sucessivamente ou ao mesmo tempo.
Em grande parte dos hospitais existem consultas diferenciadas, chamadas Consultas de Doenças Auto-imunes ou de Imunologia Clínica, dirigidas por internistas, com grande experiência neste tipo de doença.
A lista destas consultas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde é apresentada no verso, ou consulte em www.nedai.org.