O que é?
Vasculite significa inflamação dos vasos sanguíneos. São um conjunto vasto de doenças classificáveis de acordo com o tipo de vasos sanguíneos envolvidos e quando atingem vários órgãos e sistemas apelidamos de vasculite sistémica. A gravidade desta pode colocar em risco a vida de um doente ou de um funionamento de um órgão vital (exemplo: cegueira irreversível na artrite de células gigantes).
É nos vasos sanguíneos que circula o sangue no nosso corpo. Existem três tipos de vasos sanguíneos: as artérias, que levam o sangue do coração para os vários órgãos e tecidos (como o rim, fígado ou a pele); as veias, que levam o sangue destes órgãos para o coração, e os capilares que são vasos sanguíneos muito pequenos, entre as artérias e as veias, onde se dão as trocas de oxigénio e outros materiais do sangue para os tecidos.
Para funcionarem de forma correcta, os órgãos do nosso corpo necessitam do fornecimento regular de sangue. Se há inflamação dos vasos sanguíneos pode ocorrer redução ou bloqueio da circulação de sangue dentro destes vasos ou a parede destes pode tornar-se mais fina, provocando dilatações localizadas (os chamados aneurismas) que podem romper.
As lesões causadas pela vasculite dependem, por um lado, do tamanho do vaso afectado, por outro, do órgão ou órgãos atingidos, dando origem a vários tipos de vasculite. Por exemplo, a lesão de pequenos vasos da pele poderá causar manchas cutâneas e pequenas zonas de pele desvitalizada, a qual recuperará com a melhoria da vasculite. Se os vasos atingidos forem os dos rins, poderá haver comprometimento do bom funcionamento destes órgãos, com repercussão grave no organismo e necessidade de intervenção terapêutica urgente.
As vasculites podem ser primárias, se aparecem subitamente numa pessoa previamente saudável, ou secundárias, se surgem numa pessoa com doença já conhecida, por exemplo com Lúpus ou Artrite Reumatóide.
A quem devo recorrer?
As vasculites exigem a colaboração de uma equipe multidisciplinar. Deve haver uma estreita ligação entre o Médico de Medicina Geral e Familiar e os especialistas neste tipo de doença, sendo frequente haver necessidade da intervenção de outras especialidades, assim como a de outros técnicos como sejam enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e outros.
Os especialistas com mais experiência neste tipo de doenças são os de Medicina Interna e de Reumatologia.
Os especialistas de Medicina Interna são os médicos do adulto que abordam e tratam os doentes como um todo, recorrendo aos especialistas de determinados orgãos, para a execução de técnicas ou para apoio no tratamento de doenças mais raras desses órgãos ou sistemas. Essa capacidade torna-os particularmente vocacionados para este tipo de patologias que têm um carácter sistémico, ou seja, podem atingir vários orgãos sucessivamente ou ao mesmo tempo.
Em grande parte dos hospitais, os internistas criaram consultas especializadas para atenderem este tipo de doentes, chamadas Consultas de Doenças Auto-imunes ou de Imunologia Clínica, dirigidas por internistas, com grande experiência neste tipo de doença.
Quais os exames habitualmente realizados?
EXAMES LABORATORIAIS
As análises sanguíneas não são o paradigma do diagnóstico inicial e podem apenas traduzir a inflamação no organismo. Uma grande quantidade de doenças não têm marcadores laboratoriais e só um clínico com experiência nestas doenças sabe interpretar correctamente os achados. A clínica dos doentes é a base do diagnóstico e só em poucas ocasiões (ex. presença de anticorpos anticitoplasma dos neutrófilos) as análises nos ajudam num diagnóstico definitivo. Porém são muito importantes como padrão de seguimento da inflamação no organismo e para vigiar o efeito das drogas. Podemos usar alguns dos seguintes exames:
- O hemograma, que conta o número total e diferencial dos glóbulos do sangue (vermelhos, brancos e plaquetas). Pode avaliar o número de glóbulos vermelhos do sangue (uma diminuição do nº de glóbulos vermelhos é uma anemia), o número de glóbulos brancos (que são importantes na luta contra as infecções) e o número de plaquetas (que são as principais responsáveis pela coagulação do sangue).
- A velocidade de sedimentação (VS), que mede a velocidade com que as células suspensas no sangue sedimentam, quando são deixadas num tubo de ensaio. Isto pode dar-nos, indirectamente, uma ideia do grau da inflamação/infecção.
- A Proteína C Reactiva (PCR) também nos dá uma indicação indirecta do grau de inflamação/infecção.
- Os anticorpos anti-citoplasma de neutrófilo (ANCA) são também importantes no diagnóstico de alguns tipos de vasculites, particularmente na Granulomatose de Wegener, na Síndrome de Churg Strauss e na Poliangeíte Microscópica (classificadas como vasculites de pequenos e médios vasos).
Outros exames/análises podem ser executados para avaliar o funcionamento dos órgãos afectados, tal como:
- O rim: análises (creatinina, ureia e electrólitos, urina II, urina de 24 horas).
- O fígado: provas de função hepática (como as transaminases: ASTe e ALT).
- O coração: análise às enzimas cardíacas (como a Troponina ou a CK-MB).
BIÓPSIAS
Por vezes é necessário realizar uma biopsia (retirar uma parte minúscula de determinado tecido/órgão para observar ao microscópio) para se obter a confirmação diagnóstica (por ex. ao rim, à artéria temporal, ao nariz, à pele, a um determinado nervo).
ARTERIOGRAFIA
Pode ainda haver necessidade de fazer uma arteriografia, que é um exame que tem como objectivo visualizar as artérias de determinado tecido/órgão. Consiste na injecção intravenosa (i.e. dentro da veia: que geralmente é uma veia da virilha) de um contraste que se vê ao Rx.
OUTROS EXAMES
Dependendo dos orgãos afectados, assim poderá haver necessidade de fazer exames dirigidos, como é o caso de Rx ao torax, de TAC torácica no caso do pulmão, ou do ECG ou Ecocardiograma no caso do coração.
Quais os tipos de terapêutica indicados para as vasculites?
No passado, alguns tipos de vasculite eram doenças muito graves, especialmente se afectavam artérias de pequeno e médio calibre, porque se dispunha de poucas armas terapêuticas.
O tratamento nas últimas duas décadas alterou-se completamente – a maioria das vasculites podem agora ser controladas e às vezes podem até ser curadas. A questão actualmente concentra-se nos efeitos secundários de alguns tratamentos.
O plano terapêutico, actualmente, inclui os fármacos, o exercício e o repouso adequados, a dieta e a evicção do stress, do tabagismo, do frio e de determinados medicamentos/alimentos que possam ter causado a vasculite.
Os fármacos constituem ainda a forma mais eficaz de tratar as formas graves das vasculites.
É muito importante não esquecer que as vasculites podem afectar muitos órgãos e sistemas diferentes e que, portanto, podem existir formas muito diferentes da doença.
O seu médico assistente deve ser sempre informado quando os sintomas se alterem ou surjam sintomas novos, pois geralmente, nestes casos, é necessária terapêutica específica (dependendo do tipo de sintoma), que geralmente é diferente da que o doente habitualmente tem, ou em doses maiores.
As alterações aos tratamentos prescritos pelo médico (doses, horários ou fármacos) devem ser apenas efectuadas com o acordo do médico assistente. O não cumprimento desta recomendação pode agravar a doença e torna difícil a avaliação da evolução da doença.
Também é importante assegurar-se que o tratamento não é interrompido por falta de medicamentos, i.e. deve sempre pensar com antecedência em pedir receitas e comprar os medicamentos antes destes acabarem.
TERAPÊUTICA DE ACORDO COM O NÍVEL DE ATINGIMENTO
O tipo de tratamento depende:
- dos vasos sanguíneos envolvidos
- do tecido afectado
- dos órgãos afectados
Quando um órgão importante (tal como o rim) é envolvido será necessário um tratamento diferente do quando se tem uma vasculite que só afecta a pele.
Os tipos de vasculite mais graves são as que envolvem as artérias de médio e pequeno calibre.
No caso de uma vasculite de pequenos vasos, podem apenas ser necessários corticóides em baixa dose ou até nem ter indicação para tal. Outros medicamentos, tal como as sulfamidas, também podem ser indicados.
No caso de uma vasculite de pequenos vasos que só afecta a pele, frequentemente é apenas necessário tratar a infecção subjacente e/ou retirar a droga ou alimento que desencadeou a vasculite.
No caso de uma vasculite com atingimento do rim (especialmente se envolve vasos sanguíneos de pequeno e médio calibre), então, provavelmente, será necessário uma combinação de vários medicamentos incluindo:
- um agente imunossupressor (geralmente a ciclofosfamida), que “suprimirá” o sistema imune que ataca os vasos,
- corticóides, que podem ser tomados em comprimidos (por via oral) ou por injecções (por via intravenosa).
No caso de uma vasculite de artérias de médio calibre, outros tratamentos podem estar indicados, dependendo da doença:
- A Doença de Kawasaki pode ser tratada eficazmente com injecções de imunoglobulina (uma proteína do sangue que interage com o sistema imunitário),
- A hepatite associada à Poliarterite Nodosa pode ser tratada com um medicamento anti-viral (interferão, ribavirina,…) e plasmaferese (tratamento que “limpa” o sangue).
No caso de uma vasculite de grandes vasos, o tratamento mais eficaz consistirá em geral no uso corticóides.
Estes são muito eficazes na Arterite Temporal e na Arterite do Takayasu.
FÁRMACOS MAIS UTILIZADOS:
Em alguns tipos de vasculite (ex. Granulomatose de Wegener), as infecções podem desencadear recaídas pelo que são, por vezes, prescritos antibióticos como o cotrimoxazol (ou Bactrim“ forte) para protecção contra as recaídas. Estes medicamentos também podem proteger contra as infecções que podem surgir como complicações dos imunossupressores.
Os corticóides (Rosilan®, Meticorten®, Lepicortinolo®, Medrol®, SoluDacortina®,…) são fármacos frequentemente usados no tratamento das formas graves das vasculites. São formas sintéticas de hormonas que as glândulas supra-renais do nosso corpo naturalmente produzem para fornecerem força e potência extras ao corpo nos momentos de necessidade. São potentes anti-inflamatórios.
O seu uso prolongado pode provocar efeitos secundários, tais como aumento de peso, inchaço da face, mãos, aumento dos pêlos, pele fina e frágil, feridas ou nódoas negras fáceis, dores musculares, psicoses (doenças psiquiátricas), alterações do humor (depressão,…), aumento da pressão arterial, cataratas, diabetes, aumento do risco de infecções ou hemorragias do estômago (por úlceras no estômago), aterosclerose e osteoporose (fragilição dos ossos). Por isso, geralmente prescrevem-se bisfosfonatos (para prevenir a osteoporose) e “protectores gástricos” (para prevenir as úlceras gástricas) associados aos corticóides (sobretudo em tratamentos prolongados e em doses altas).
Qualquer tipo de cirurgia ou traumatismo pode implicar a necessidade de aumentar as doses de corticóides, quando o doente já estava sob esta terapêutica.
As doses de corticóides só devem ser estabelecidas, alteradas ou suspensas com o acordo do médico assistente. A suspensão de um tratamento prolongado com corticóides implica sempre um desmame (redução gradual das doses). Apesar do medo comum destas drogas, elas são essenciais para o tratamento destas doenças e salvam vidas. O seu uso correcto e bem preparado reduz significativamente os seus efeitos laterais, nomeadamente: manter actividade física regular, restrição salina, alimentação saudável com grande redução dos açucares de absorção (bolos, pães, batata, arroz e feijão).
Os imunossupressores são medicamentos que enfraquecem o sistema imunitário, diminuindo o seu funcionamento e, portanto, a resposta inflamatória auto-imune que existe nas vasculites (como o Imuran®” ou azatioprina, Endoxan®” ou ciclofosfamida, Cellcept®” ou micofenolato,…).
São usados apenas nalgumas formas graves de vasculites, porque apresentam efeitos secundários que podem ser graves: falta de células no sangue (porque diminuem o funcionamento da medula óssea onde se formam as células do sangue o que pode resultar em anemia e aumento do risco de infecções e hemorragias), perda de cabelo, úlceras na boca e no estômago, diarreia, problemas de fígado (semelhante à hepatite), diminuição da fertilidade (por vezes irreversível) e aumento do risco de cancro.
A Ciclofosfamida, por exemplo, pode ainda causar hemorragia na bexiga. Por causa deste risco, a ciclofosfamida é geralmente usada só após abundante hidratação (com água e soros) e é substituída por um outro imunossupressor (geralmente a Azatioprina) logo que a vasculite é controlada.
Alguns destes efeitos secundários são pouco frequentes e podem ser evitados quando determinadas precauções são tomadas. O uso de imunossupressores implica, portanto, uma vigilância médica mais apertada que o habitual. No entanto, em determinadas situações, estes medicamentos são imprescindíveis e podem salvar a vida (ou um órgão) ao doente.
As imunoglobulinas (Flebogammadif®, Kiovig®, Octagam®, Privigen®, Sandoglobulina®) são cada vez mais usadas em situações graves que não responderam a outras terapêuticas. Tem relativamente poucos efeitos secundários e estes são essencialmente precoces e reversíveis, mas têm sido descritos casos raros de tromboses, reacções alérgicas graves e insuficiência renal, entre outros.
Existe uma nova classe de medicamentos, cujo uso nas vasculites está ainda em fase experimental mas que, em breve, promete ser uma das opções. Trata-se dasterapêuticas biológicas: bloqueadores do TNF (Remicade® ou Infliximab, Enbrel® ou Etanercept, Humira® ou Adalimumab), Anti-CD20 (rituximab) e bloqueadores de coestimulação (Abatacept). Estes medicamentos talvez possam ajudar os doentes com certos tipos de vasculite, incluindo a Granulomatose de Wegener, a Arterite de Takayasu e a Doença de Behçet.
TERAPÊUTICA NÃO FARMACOLÓGICA:
Um adequado equilíbrio entre exercício e repouso é imprescindível para um bom controlo da doença.
As vasculites podem provocar cansaço, portanto o repouso (físico e intelectual) deve ser privilegiado. Deve ser assegurado um bom repouso/sono nocturno e períodos de repouso/sono/relaxamento durante o dia.
Embora não seja habitualmente necessário abdicar das suas actividades habituais (à excepção de actividades muito cansativas), por vezes é necessário diminuir o número de horas de trabalho e é aconselhável pedir maior ajuda à família nas tarefas domésticas.
É, no entanto, importante manter algum tipo de actividade física adequada (suave), para evitar a rigidez articular, a osteoporose, a fraqueza muscular e a fadiga (e para melhorar a função do sistema imunitário e o bem estar mental!). A fisioterapia e o exercício aeróbico adequado (sobretudo em água, mas também a marcha lenta) ajudam a relaxar e a manter a função dos músculos e articulações. Peça conselhos ao seu médico assistente.
A dieta pode ser um factor determinante, sobretudo quando existe atingimento do rim. Nessas situações é importante diminuir o conteúdo de proteínas (presentes na carne, peixe, clara de ovo, leite e derivados) e de sal (sobretudo quando existe pressão arterial elevada e/ou retenção de líquidos).
Os doentes tratados por longos períodos com corticóides também devem ter uma atenção especial em relação ao cálcio e à vitamina D (isto é, devem privilegiar alimentos com leite ou derivados) para evitar a osteoporose e devem tomar cuidado com o peso, tentando evitar comer demais (pelo aumento de apetite). Deve-se comer mais fruta fresca e legumes e deve-se fazer uma dieta polifraccionada (comer frequentemente, i.e. de 2h-2h, em pequenas quantidades). A fruta e a sopa do almoço e do jantar não devem ser comidos na mesma hora destes, mas cerca de 1-2h antes ou depois.
Todos os doentes com vasculites devem seguir as normas dietéticas que existem para a população em geral, isto é, uma dieta variada, equilibrada e saudável, com abundantes vegetais, poucas gorduras, a menos que a Vasculite tenha sido desencadeada por um alimento específico.
Como as infecções, medicamentos ou alimentos podem ser a causa da vasculite, é importante tentar relembrar se comeu ou tomou algo que não era habitual nas semanas prévias e comunicar isso ao médico, que pode dar indicação de evitar tal alimento/medicamento.
Evitar o stress tem também um papel primordial na terapêutica das vasculites. É importante ajustar o horário laboral de modo a ser o menos “stressante” possível. Nos períodos da vida em que o stress é impossível de evitar devem tomar cuidados especiais como repousar mais e melhor, adquirir hábitos de relaxamento, etc.
Mais que qualquer medicamento, evitar o tabagismo é de extrema importância na terapêutica das Vasculites. O tabaco provoca vasoconstrição, que faz com que o lúmen dos vasos sanguíneos diminua (i.e. faz com que os vasos fiquem mais estreitos), pelo que agrava ainda mais os sintomas das vasculites.
Deve ainda ter-se cuidado em evitar o frio, nos períodos de tempo frio, agasalhando-se bem (usando luvas, meias quentes,…) para manter o corpo quente. O frio também provoca vasoconstrição que faz com que o lúmen dos vasos sanguíneos diminua.
No caso do Fenómeno de Raynaud ou da Crioglobulinémia isto é ainda mais importante (podendo mesmo ser necessário outro tipo de terapêutica).
Quais são os diferentes tipos de Vasculite?
Habitualmente, as Vasculites são classificadas consoante o calibre dos vasos maioritariamente afectados. Assim, existem:
Vasculites de grandes vasos:
- Arterite de células gigantes ou temporal;
- Arterite de Takayasu.
Vasculites de médios vasos:
- Poliarterite nodosa (PAN);
- Doença de Kawasaki.
Vasculites de pequenos vasos:
- Poliangeíte microscópica (PAM);
- Granulomatose de Wegener;
- Síndrome de Churg-Stauss;
- Púrpura de Henoch-Schonlein;
- Angeítes Leucocitoclásticas Cutâneas;
- Crioglobulinémia mista essencial.
As vasculites podem também ser secundárias (i.e. ser consequência de outras doenças ) ao Lúpus Eritematoso Sistémico, Artrite Reumatóide, Síndrome de Sjögren, Hepatite, Leucemia e Linfoma.
ARTERITE TEMPORAL (OU ARTERITE DE CÉLULAS GIGANTES OU DOENÇA DE HORTON)
Esta vasculite afecta as grandes artérias que fornecem irrigação à cabeça e ao pescoço, especialmente a artéria temporal (sobre a região temporal, nos lados da testa). É das vasculites mais frequentes em Portugal, embora seja ainda uma doença rara. É mais comum na Europa do Norte e nas pessoas entre os 50 e os 60 anos.
O sintoma mais frequente é a dor de cabeça. Causa também frequentemente dor nos músculos, nos ombros e ancas (esta parte dos sintomas é conhecida como Polimialgia Reumática) e dores articulares.
Estes doentes devem informar o seu médico imediatamente ao notarem qualquer problema de visão, tal como visão dupla ou turva porque a Arterite Temporal pode afectar o fluxo de sangue para o olho, podendo causar cegueira irreversível, a sua maior sequela. Este risco é muito eficazmente combatido pela terapêutica com corticóides.
O diagnóstico implica muitas vezes a realização de uma biópsia da artéria temporal (retirar uma parte minúscula da artéria para observar ao microscópio), no entanto a clínica típica não deve atrasar o tratamento imediato. Esta versa sobretudo sobre a dor de cabeça de novo, em idosos, muito intensa, nocturna, impedindo o adormecimento pela sua intensidade e intratável com os analgésicos e anti-inflamatórios comuns.
ARTERITE DE TAKAYASU (OU DOENÇA SEM PULSO)
Esta doença afecta essencialmente a principal artéria que sai do coração (a aorta) e as suas grandes ramificações. É mais frequente em mulheres jovens (até aos 40 anos). É extremamente rara em Portugal. mas é mais frequente na Europa Oriental, no Extremo Oriente e em África.
As grandes artérias “estreitam” e isto reduz o fluxo de sangue para as suas ramificações e, portanto, para as outras partes do corpo (que ficam “sem pulso” palpável). Como o estreitamento se desenvolve lentamente, as artérias geralmente não “entopem” completamente, pelo que raramente há uma perda total de irrigação de sangue aos braços ou às pernas ou qualquer órgão importante (havendo por ex. apenas dores nas extremidades desencadeadas pelo esforço por má irrigação).
O diagnóstico é feito por Ressonância Magnética (RM) ou Arteriografia. Os tratamentos com corticóides são normalmente eficazes para esta situação.
POLIARTERITE NODOSA (PAN)
Esta vasculite é agora reconhecida como Poliarterite Nodosa clássica para distingui-la da Poliangeíte Microscópica, que antes era considerada como parte da Poliarterite Nodosa. É uma doença rara que, no início, provoca sobretudo febre, cansaço, dores articulares e dores musculares, nos homens dores testiculares intensas.
Nesta vasculite as artérias de médio calibre estão inflamadas, particularmente as que irrigam os intestinos e os rins, podendo provocar sintomas nesses órgãos (dores abdominais, presença de proteína e/ou de sangue na urina, hipertensão arterial (“tensão alta”).
Esta inflamação pode só afectar parte da parede da artéria, que se torna fraca e portanto mais distensível nessa parte, formando dilatações que se chamam aneurismas (que por vezes são palpáveis através da pele, o que justifica a designação “nodosa”). Se um aneurisma rompe pode causar uma hemorragia interna grave. Alternativamente, pode envolver toda a parede da artéria num ponto particular, causando um “entupimento”. Esta vasculite pode estar associada a infecções virais (como a hepatite B ou C).
Para o diagnóstico, pode ser necessário a realização de uma Arteriografia (injecção de um líquido de contraste numa veia geralmente da virilha, e obtenção de várias radiografias).
DOENÇA DE KAWASAKI (OU SÍNDROME GANGLIONAR MUCOCUTÂNEA)
A Doença de Kawasaki foi descrita no Japão na década de 60 e é muito rara em Portugal.
Afecta artérias de médio calibre em crianças muito pequenas. Também é chamada Síndrome Ganglionar Mucocutânea (porque envolve as mucosas e a pele à volta). As crianças sentem geralmente mal estar, febre alta, gânglios inchados no pescoço, garganta avermelhada, inflamação das áreas ao redor dos olhos (conjuntivites) e da boca (erupção de pele que é semelhante a sarampo).
Embora seja relativamente rara, esta vasculite pode ser grave se existir inflamação das artérias que irrigam o coração. Os aneurismas podem ser detectados por Ecocardiograma ou por Angiografia.
POLIANGEÍTE MICROSCÓPICA (PAM)
É uma vasculite maioritariamente de pequenos vasos, que quase sempre envolve os vasos do rim (podendo originar insuficiência renal) e por vezes os vasos do pulmão (podendo provocar hemorragias no pulmão).
A principal queixa é geralmente o cansaço (geralmente como consequência de anemia). O atingimento dos pulmões também pode provocar dificuldade em respirar.
As análises detectam inflamação do rim mostrando presença de proteína e/ou de sangue na urina. Para o seu diagnóstico tal como para a granulomatose de wegener e síndrome de Churg Strauss, contribui um marcador serológico: anticorpos anticitoplasma dos neutrófilos (ANCAS).
GRANULOMATOSE DE WEGENER
Esta vasculite é relativamente rara e é ligeiramente mais frequente em homens do que em mulheres. A inflamação dos vasos sanguíneos é causada por “inchaços” na parede dos vasos (chamados granulomas, o nome Granulomatose).
Geralmente apresenta-se, para além do cansaço e da perda de peso, como sinusites (inflamação dos seios perinasais que se manifestam por exsudado nasal, hemorragias nasais e crostas nasais recorrentes, úlceras nasais ou orais e otites recorrentes (inflamação dos ouvidos). Estes sintomas podem aparecer um ano ou dois antes do processo de vasculite mais generalizada começar.
Esta vasculite generalizada (sistémica) pode envolver muitos órgãos como a pele, os pulmões, os olhos e os rins. Os problemas de rim são muito frequentes e devem ser precocemente detectados para evitar (com o tratamento apropriado) a progressão para insuficiência renal terminal e necessidade de hemodiálise. A hemorragia dos pulmões (que se manifesta por hemoptises, i.e. expulsão de sangue através da tosse) é também uma das situações mais graves que necessitam de tratamento mais agressivo.
Antigamente, nessas situações mais graves a Granulomatose do Wegener era uma doença fatal, mas hoje em dia o tratamento (com imunossupressores e corticóides) já é eficaz no controlo da vasculite, embora sem a “curar” definitivamente. Na maioria dos casos consegue-se induzir uma remissão a longo prazo que pode durar muitos anos. O diagnóstico é geralmente obtido por TAC e por biópsias dos tecidos afectados, bem como pela positividade dos ANCAS.
SÍNDROME DE CHURG–STRAUSS
A inflamação dos vasos sanguíneos também é causada por “inchaços” na parede dos vasos (chamados granulomas), como na Granulomatose de Wegener, mas neste síndrome existe geralmente uma marcada infiltração por um determinado tipo de glóbulos brancos do sangue (os eosinófilos).
O quadro clínico é diferente do da Granulomatose de Wegener, na medida em que se apresenta como asma que se desenvolve na vida adulta e raramente existem problemas de nariz ou de ouvidos.
Frequentemente afecta os nervos dos membros (neuropatia) causando fraqueza e alterações da sensibilidade.
O diagnóstico é muitas vezes obtido por biópsias. Há também um risco mais elevado de afectar o coração, pelo que é importante a realização de exames (electrocardiograma e ecocardiograma).
PÚRPURA DE HENOCH–SCHÖNLEIN
Esta vasculite é uma doença inflamatória rara dos mais pequenos vasos sanguíneos (capilares).
Afecta sobretudo crianças dos 2–10 anos, embora possam ser afectadas pessoas de qualquer idade. Os rapazes são mais atingidos do que as raparigas, e quanto mais velha é a criança (ou o adulto) mais alto é o risco de afectar órgãos internos, para além da pele.
Frequentemente surge após uma infecção respiratória aguda. A doença pode começar bruscamente ou pode aparecer gradualmente ao longo de várias semanas. Todas as crianças com esta vasculite desenvolvem uma erupção de pele (púrpura), em que as manchas são inicialmente vermelhas e posteriormente arroxeadas. Estas manchas desaparecem ao fim de uma semana mas, frequentemente, aparecem em grupos, ao longo de um período de vários dias ou semanas. Esta vasculite também provoca geralmente dores articulares e artrite (inflamação das articulações que se manifesta por inchaço, calor, vermelhidão e dificuldade em movimentar a articulação), especialmente das grandes articulações. Estas alterações geralmente resolvem ao fim de alguns dias sem qualquer deformidade.
Algumas crianças poderão também ter dores abdominais e/ou vómitos e podem ter fezes com sangue. Outros sintomas frequentes incluem febre, dores de cabeça, perda de apetite ou a existência de sangue na urina. O atingimento dos rins (que se manifesta pelo aparecimento de urina escura pela existência de sangue na urina) é bastante frequente, mas raramente deixam sequelas graves.
Mais raramente outros vasos sanguíneos podem ser envolvidos, com complicações graves que incluem a perfuração de intestino, a hemorragia, convulsões e “tromboses cerebrais”.
O diagnóstico pode envolver a realização de biópsia de pele ou de rim. A maioria de crianças recupera plenamente, embora recaídas possam ocorrer depois de um período livre de doença de várias semanas. As recaídas são possíveis até um ano depois do quadro inicial.
Não há tratamento específico para esta vasculite e na maioria dos casos a resolução das queixas é espontânea. No entanto, por vezes, é necessário usar medicamentos anti-inflamatórios, quando os sintomas persistem.
ANGEÍTES LEUCOCITOCLÁSTICAS CUTÂNEAS
Este tipo de vasculite é talvez a mais frequente. Pode aparecer em qualquer idade, embora com um discreto predomínio das mulheres em relação aos homens.
A inflamação dos vasos de pequeno calibre ocorre sobretudo na pele e manifesta-se como múltiplas e pequenas manchas roxas na pele, que se salientam da restante pele saudável (púrpura).
Este tipo de vasculite pode ser desencadeada por um alimento, infecção ou medicamento específico, cuja evicção é muitas vezes suficiente para controlar o processo vasculítico.
CRIOGLOBULINÉMIA MISTA ESSENCIAL
Nesta doença, a vasculite de pequenos vasos é associada com a existência de crioglobulinas (proteínas do sangue que se agrupam ou se “colam” umas às outras quando a temperatura baixa, i.e. com o frio).
É importante reconhecer a existência das crioglobulinas porque a sua agregação pode causar “depósitos” nos vasos, originando uma redução do fluxo de sangue ou mesmo um bloqueio dos vasos sanguíneos, causando danos aos órgãos ou tecidos do corpo que são irrigados por esses vasos.
A Crioglobulinémia causa, geralmente, problemas de rim e/ou problemas de pele (manchas arroxeadas ou púrpura).
Esta vasculite pode estar associada a infecções virais (como a hepatite C). As crioglobulinas podem ser retiradas do sangue por um tratamento que se chama plasmaferese.
Quais são os sintomas das Vasculites?
As vasculites, para além de poderem assumir tipos muito diferentes (ver os tipos de vasculite, mais à frente), podem afectar diferentes órgãos e sistemas, dando origem a sinais e sintomas muito diferentes de doente para doente. De todas as formas, as doenças mais graves apresentam sempre um padrão consumptivo, com emagrecimento, fadiga e por vezes febre.
De seguida apresentamos apenas um conjunto de sintomas de alerta.
- Sintomas Gerais: febre, fadiga, oerda de apetite e perda de peso.
- Pele: manchas na pele. As mais frequentes são arroxeadas e pequenas, aparecendo em grupos (púrpura). Podem também aparecer úlceras.
- Pulmão: tosse, falta de ar ou expulsão de sangue pela boca através da tosse.
- Nervos dos membros: fraqueza muscular e alterações da sensibilidade (sensações de “formigueiro” ou “entorpecimento”).
- Rim: presença de proteínas e/ou de sangue na urina (que pode tornar ou não a urina escura), hipertensão arterial (“tensão alta”), membros e face inchados, podendo originar por vezes insuficiência renal (falência do funcionamento do rim), com necessidade de tratamento por hemodiálise (em que uma máquina funciona pelo rim, limpando o sangue).
- Intestino: dor abdominal, sobretudo depois das refeições ou o aparecimento de sangue nas fezes.
- Articulações: dores articulares ou artrite (inflamação das articulações que se manifesta por inchaço, calor, vermelhidão e dificuldade em movimentar a articulação).
- Nariz e ouvidos: sinusites recorrentes (inflamação dos seios perinasais que se manifestam por exsudado nasal, hemorragias nasais e crostas nasais), úlceras nasais ou otites recorrentes (inflamação dos ouvidos).
- Olhos: dificuldade na visão, visão dupla ou turva, dor no olho ou olho vermelho.
Qual a causa das Vasculites?
As vasculites são doenças autoimunes de causa habitualmente desconhecida, porém podem ser secundárias a drogas e a infecções crónicas, como as relacionadas com os vírus da Hepatite B e C. São mais comuns em elementos da mesma família, no entanto não existe qualquer traço de transmissão genética e o risco relativo dentro das mesmas famílias não é tão elevado que implique qualquer tipo de rastreio ou aconselhamento.
São doenças frequentes?
Não existem números relativamente à realidade portuguesa. As vasculites são doenças, em geral, raras. As mais frequentes em Portugal são a Arterite Temporal, as Vasculites Leucocitoclásticas Cutâneas e as Vasculites Secundárias ao Lúpus ou à Artrite Reumatóide.